terça-feira, 8 de maio de 2012

O ACHAQUE DE MARY CORNER


O achaque de Mary Corner
A "empresária" cobra para não propagar
histórias de que suas meninas ajudavam
a pagar a políticos em Brasília

Fábio Portela e Juliana Linhares
Ana Ottoni/Folha Imagem
A empresária Mary Corner: não seremos "os primeiros nem os últimos do mundo a extorquir"


Em agosto, quando o nome da empresária Jeany Mary Corner veio à tona, sua existência parecia um fato periférico entre as denúncias que desnudavam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Imaginava-se, na pior das hipóteses, que a divulgação de sua agenda de clientes causaria constrangimentos pessoais. Engano. Nos últimos meses, Jeany tem espalhado que ela e suas "recepcionistas" teriam testemunhado e até auxiliado a prática de atos de corrupção. Mas, em vez de denunciá-los, dedicou-se a vender seu silêncio. Em prestações. Sua primeira investida comercial deu-se entre setembro e outubro do ano passado e teve como alvo o Ministério da Fazenda. Jeany colocou pessoas de sua confiança em contato com um interlocutor de Ademirson Silva, assessor especial do ministro Antonio Palocci, e com Juscelino Dourado, seu ex-chefe-de-gabinete. Elas pediam dinheiro. Na ocasião, Jeany também abordou Rogério Buratti, ex-secretário de Palocci em Ribeirão Preto.

Em novembro, um dos advogados de Jeany, Ismar Marcílio de Freitas Júnior, voltou à caça a pedido de sua cliente. Ele solicitou uma audiência com o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, usando, para isso, a ajuda de um amigo, o promotor paulista Ruy Pires Galvão. Quando desconfiou do assunto que seria tratado – pouco antes da audiência –, o ministro decidiu não encontrá-los pessoalmente. Delegou a tarefa a seu chefe-de-gabinete, Cláudio Demczuk Alencar. Em Brasília, Freitas Júnior e Galvão contaram que Jeany sabe de fatos gravíssimos e sugeriram que "seria interessante tirá-la de circulação até 2008" porque ela estaria prestes a dar entrevistas bombásticas sobre o assunto. Segundo eles, os fatos seriam os seguintes:
• Além de fornecer as recepcionistas que animavam as festas de uma mansão no Lago Sul de Brasília, alugada por ex-auxiliares de Palocci, Jeany também ajudou a turma de Ribeirão a pagar, em 2003, uma espécie de mensalão de 50.000 reais a políticos na capital federal. Oito deputados teriam recebido o dinheiro.
• O operador desse mensalão era Rogério Buratti.
• Para ajudar Buratti a operar o esquema, ela o apresentou aos doleiros de Brasília Fayed Antoine Traboulsi e Chico Gordo. Também permitiu que sua própria casa fosse usada para a divisão do dinheiro.
• Os valores eram divididos pelas "meninas" de Jeany seguindo instruções deixadas por escrito por Buratti. Depois de contado, o dinheiro era escondido dentro de revistas, colocadas em envelopes de papel.
• Algumas garotas de Jeany rodavam Brasília de carro entregando os envelopes. Quem guiava era Francisco, ex-motorista de Buratti. Em 2003, a operação repetiu-se cinco vezes.
• Jeany chegou a receber 50.000 reais para ficar quieta. O dinheiro teria sido entregue por Feres Sabino, ex-secretário de Negócios Jurídicos da prefeitura de Ribeirão Preto. Sabino nega ter sido o emissário, embora admita conhecer os advogados de Jeany. Há dois meses, VEJA recebeu a informação de que o pagamento teria sido intermediado por outro advogado: José Firmo Ferraz Filho, o mesmo que, há dezessete anos, protagonizou o Caso Lubeca, um dos primeiros escândalos de corrupção do PT.

Ana Araujo
Mansão no Lago Sul: diversão e lobby da República de Ribeirão
Jeany não diz quais canais usou para vender seu silêncio, mas admite a prática. Em janeiro, declarou ao jornal O Globo: "Fiquei no anonimato esse tempo todo. Fui muito digna. Diferentemente de outros que abriram a boca. Por isso, pedi ajuda. Isso é chantagem?". Para o senador Demostenes Torres, do PFL goiano, isso é chantagem, sim. "Já ouvi de duas fontes diferentes que ela, realmente, tentou extorquir o ministro Palocci. Resta saber se o pagamento foi concluído." Em conversa com a reportagem de VEJA, Jeany diz que não levou dinheiro, mas adiantou que, quando esteve no programa de proteção a testemunhas, em setembro passado, relatou toda a história acima a policiais paulistas. 

Ed Ferreira/AE 
Buratti: "Se ela pagava políticos, não era com o meu dinheiro"


Buratti confirma que se aproximou de Jeany para aumentar sua lista de contatos em Brasília e diz que, depois que o escândalo do mensalão estourou, ela fez chegar a seus ouvidos a notícia de que enfrentava dificuldades financeiras e precisava de dinheiro para pagar advogados. Buratti nega ter distribuído um mensalão. "Se ela andou distribuindo dinheiro por Brasília, certamente não foi das minhas mãos que ele saiu. Sei que a Jeany tinha muitos clientes grandes, empreiteiras inclusive. Talvez ela esteja contando o milagre, mas trocando o nome do santo." O Ministério da Justiça limitou-se a confirmar a audiência com um advogado da empresária e seu amigo promotor. Ismar, ex-advogado de Jeany, diz ter ido a Brasília apenas para assegurar a proteção física de sua cliente.

As histórias de alcova de Jeany e suas meninas não têm relevância jornalística. Fazem parte da vida privada delas e de seus clientes. Mas se a empresária diz ter testemunhado atos de corrupção seu papel muda. Em especial quando essas histórias são usadas para tentar extorquir autoridades. Arrependida das revelações que fez, Jeany passou a negar que tenha recebido dinheiro de Palocci e tentou impedir, com ameaças desconexas, que VEJA publicasse a presente reportagem. Depois, em conversa também gravada, exaltou-se. Disse que seus assessores não serão "os primeiros nem os últimos do mundo a extorquir". É sempre bom lembrar que personagens inqualificáveis como Jeany Corner vieram à luz trazidas não pela imprensa ou pela oposição, mas pelos petistas e seus satélites. Nesses casos em que a mensagem fere não adianta muito culpar o mensageiro.
 
 

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