sexta-feira, 20 de maio de 2016

TUDO COMEÇOU NUM POSTO DE GASOLINA.

Como começou a Operação Laja Jato: Um posto de gasolina e um presente misterioso: o escândalo que ameaça o governoO imenso escândalo de corrupção que sitia o governo brasileiro nasceu quase por azar, em um posto de gasolina. E prosseguiu com um presente caro que deixou os investigadores intrigados.

O Posto da Torre ocupa um grande espaço comercial no centro de Brasília e tem, além de 16 bombas de combustível, um minimercado, um café e uma lavanderia.
Quando a Polícia Federal chegou ali há dois anos, havia também uma casa de câmbio onde suspeitava-se que ocorria lavagem de dinheiro. A operação policial foi batizada de Lava Jato, ainda que no local não houvesse um serviço de limpeza de carros.
O nome passou a ser usado para todo o caso de corrupção que envolve a Petrobras e levou para atrás das grades políticos e empresários poderosos e fez do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva um alvo de investigação.
Com mais de 90 condenações realizadas até agora e cerca de R$ 2,7 bilhões recuperados pelos investigadores, é considerado o maior escândalo do gênero na história do país.
O terremoto político desatado pode custar caro à presidente Dilma Rousseff, que tem índices de popularidade baixíssimos e enfrenta uma ação da oposição para encerrar seu mandado com um processo de impeachmente no Congresso e outro no Tribunal Superior Eleitoral.

Lavagem de dinheiro

AP
Ex-presidente Lula está sendo investigado na Operação Lava Jato
Era difícil prever todo este cenário quando os agentes chegaram àquele posto de gasolina em 17 de março de 2014.
“Ninguém imaginava que a Lava Jato ia se tornar o que é hoje”, disse um policial federal que, desde o início, está próximo das investigações feitas a partir de Curitiba, no Paraná. “Era algo pequeno que só fez crescer desde então.”
O posto em Brasília entrou na mira dos investigadores depois que começaram a ser monitoradas as comunicações telefônicas de seu dono, Carlos Chater, em julho de 2013.
Haviam chegado a ele ao averiguar supostos delitos de lavagem de dinheiro vinculados ao ex-deputado José Jatene, que, até sua morte, em 2010, tinha negócios no Paraná.

Organizações criminosas

Reuters
Fiscais brasileiros tiveram trabalho para entender por completo o esquema de corrupção
A suspeita era que Chater atuava como doleiro, nome dado no mundo do crime a operadores ilegais do mercado de câmbio que criam uma espécie de sistema bancário oculto usado por indivíduos e organizações para esconder e lavar dinheiro sujo.
Depois de monitorar Chater por alguns meses, os investigadores concluiram que, na realidade, não estavam diante de uma, mas quatro organizações criminosas que interagiam entre si, tendo doleiros no seu comando.
Uma delas era encabeçada por Chater, que mais tarde seria condenado à prisão pelo juiz à frente da causa, Sérgio Moro, por lavagem de dinheiro.
Outra das organizações tinha como chefe Alberto Youssef, que, segundo os fiscais, era um “antigo conhecido da Procuradoria da República e da Polícia Federal”.

Presente luxuoso

ReutersPolícia Federal já realizou diversas operações e prisões desde o início das investigações
De fato, Youssef já havia sido preso em 2003 por lavagem de dinheiro e outros crimes contra o sistema financeiro em um caso anterior de evasão de fundos do banco Banestado.
Naquela ocasião, ele conseguiu escapar de uma pena maior firmando um acordo de colaboração inédito no Brasil, para reduzir sua condenação em troca de fornecer informações, homologado pelo juiz Moro.
O caso Banestado foi um antecedente chave para o escândalo que estremece o Brasil agora: além ter à frente o mesmo juiz, vários investigadores daquele esquema ilícito passaram a trabalhar na Lava Jato.
Quando voltaram a monitorar Youssef por seu vínculo com Chater, os agentes encontraram um email que aludia a um presente luxuoso: uma caminhonete Range Rover Evoque.

Vínculo com a Petrobras

Reuters
Á frente do caso, o juiz Sérgio Moro é hoje aclamado por parte da população
Eles se assombraram ao descobrir que o destinatário do presente de Youssef era Paulo Roberto Costa, que, entre 2004 e 2012, havia sido diretor de abastecimento da Petrobrás, um cargo crucial no gerenciamento de contratos.
O vínculo da petroleira estatal com a rede ilegal de lavagem de dinheiro e subornos acabou sendo exposto para os investigadores. Mas eles só conseguiram resolver o quebra-cabeças meses mais tarde.
A primeira fase da Lava Jato iniciada no posto de gasolina em Brasília resultou em 81 mandados de busca e 28 de prisão preventiva em várias cidades do país. E foram apreendidos carros esportivos, jóias, obras de arte e relógios de luxo.
O propósito era desarticular uma rede que lavava dinheiro do narcotráfico, do comércio ilegal de diamantes e de desvio de dinheiro público.

Reviravolta

Reuters
Processo de impeachment acirrou polarização social e política no Brasil
Costa, ex-diretor da Petrobras, foi preso em 20 de março de 2014, depois que seus familiares foram registrados por câmeras de segurança entrando e saindo em um edifício onde funcionava a empresa de Costa com bolsas e mochilas. Segundo os policiais, eles estavam destruindo provas.
A colaboração internacional também foi importante: promotores suíços informaram seus pares brasileiros que havia nos bancos do país mais de US$ 23 milhões (R$ 82,6 milhões em valores atuais) em contas pertecentes a Costa.
Tudo indicava aos investigadores que havia um esquema oculto de desvio e lavagem de dinheiro proveniente da Petrobras, mas faltava descobrir exatamente como ele funcionava e até onde chegava.
Então, o caso teve uma reviravolta importante quando, em agosto de 2014, Costa chegou a um acordo de delação para reduzir sua pena. Em troca, deveria devolver dinheiro, relatar os crimes e indicar os outros implicados.
Logo, Youssef fez o mesmo – e ele tinha bastante o que revelar.

Acordos de delação

Reuters
Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, foi uma peça-chave no caso
Com esses novos testemunhos, os promotores denunciaram que as principais construtoras do país, entre elas gigantes como Odebrecht e Camargo Corrêa, haviam formado um cartel para repartir entre si contratos multimilionários com a petroleira.
Para obtê-los, pagavam subornos a diretores da empresa e a meia centena de políticos de diferentes partidos, inclusive o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados.
O dinheiro desviado variava entre 1% e 3% do valor dos contratos e ia para empresas que o disfarçava como pagamentos por consultorias para depois passarem por Youssef e outros doleiros antes de chegar a seus destinatários.
O escândalo não parou de crescer, alimentando um total de 49 acordos de colaboração que permitiram recuperar quase metade dos US$ 1,77 bilhão pagos em subornos, segundo os promotores.

Mil anos de prisão

Getty
Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora que leva o nome de sua família, foi preso por pagar propinas
Até o momento, 179 pessoas foram acusadas criminalmente. As condenações já emitidas em primeira instância somam quase mil anos de prisão.
Entre os condenados estão o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, antigos diretores da Petrobrás e o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, condenado a 19 anos e 4 meses de prisão.
Youssef e Costa recebram também penas de 20 anos e alguns meses de prisão cada um. Mas, como tinham condenações prévias e foram delatores no caso, poderão receber benefícios de Moro.
Agora, resta a pergunta de até onde chegará a investigação.

Lula investigado

ABr
João Vaccari, ex-tesoureiro do PT, foi condenado pela Justiça
O ex-presidente Lula está sendo investigado por suspeitas de ter recebido benefícios das construtoras. Mas ele nega isso e critica Moro e os investigadores, inclusive sugerindo que eles causaram prejuízos à economia brasileira.
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) pediu a Moro que enviasse à Corte as investigações sobre Lula, que agora deve resolver se continua com elas ou as devolve total ou parcialmente ao juiz.
Em sua decisão, o ministro Teori Zavascki criticou o fato de Moro ter divulgado conversas telefônicas de Lula gravadas por meio de escutas, inclusive uma com a presidente Dilma Rousseff que aumentou as suspeitas de que ela o nomeou ministro para dar a Lula foro privilegiado e evitar sua eventual prisão. A nomeação de Lula foi suspensa pelo ministro Gilmar Mendes.
Nesta semana, o STF decidiu retirar de Moro, no momento, todos os procedimentos de investigação envolvendo esta interceptação telefônica do ex-presidente. Os ministros foram unânimes ao dizer que cabe à Corte analisar as gravações, já que envolvem autoridades com foro privilegiado, como Dilma e o ministro Jaques Wagner.
Os ministros decidirão se as investigações serão integralmente mantidas no STF ou desmembradas para que continuem sob a jurisdição de Moro os procedimentos contra pessoas sem foro privilegiado, como Lula, já que sua nomeação está suspensa. A expectativa é de que na próxima semana o Supremo julgue se ele poderá ou não assumir a Casa Civil.
Enquanto isso, o posto de gasolina onde tudo começou continua a atender a centenas de veículos por dia na capital do país. Mas, agora, faz isso sem abrigar uma casa de câmbio em suas dependências.
Fonte: BBC

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